quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Consórcios internacionais buscam astrônomos e financiamento brasileiro

Agência FAPESP – A produção científica brasileira na área de astronomia tem crescido nos últimos anos. O número de artigos científicos publicados anualmente subiu de 150, em 1995, para 230 em 2010. Segundo pesquisadores da área, parte desse incremento na produção científica se deve à participação do Brasil em consórcios internacionais que garantem o acesso a instrumentos de observação competitivos.
As principais iniciativas nesse sentido foram a participação em observatórios como o Gemini, cujas operações iniciaram em 2004 com dois telescópios “gêmeos”, um nos Andes chilenos e outro no Havaí, e o Southern Observatory for Astrophysical Research (SOAR, na sigla em inglês), inaugurado nos Andes em 2005.
O Brasil conta com 6% de participação nas observações do Gemini, cujos telescópios têm espelhos principais com 8,1 metros de diâmetro. No SOAR, com espelho de 4,2 metros de diâmetro, a participação brasileira é de 30%. A participação de pesquisadores brasileiros nos dois observatórios se dá com financiamento da FAPESP e de outras agências de fomento à pesquisa no país.
“O aumento no número de artigos publicados por astrônomos brasileiros nos últimos anos tem relação absolutamente direta com a participação no Gemini e no SOAR”, disse João Steiner, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), à Agência FAPESP.
“Estávamos estagnados por quase uma década em termos de publicação de artigos científicos e de formação de mestres e doutores na área e, quando o Gemini e o SOAR entraram em operação, esses dois indicadores cresceram em um ritmo bastante expressivo”, afirmou.
Atualmente a comunidade de pesquisa da área está sendo convidada para participar e para ajudar a financiar dois dos maiores projetos de construção de megatelescópios em andamento no mundo: o Giant Magellan Telescope (GMT), projetado por um consórcio de instituições dos Estados Unidos, Austrália e Coreia do Sul, e o European Extremely Large Telescope (E-ELT), planejado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês).
Ambos também serão construídos no Chile em razão de o céu do Hemisfério Sul ser considerado muito mais rico, em termos de possibilidades de observações astronômicas, do que o do Hemisfério Norte, além de haver disponibilidade de lugares adequados para fazer observações, como a cordilheira dos Andes, no norte do Chile.
Com início da construção previsto para julho de 2014 em Cerro Las Campanas, o GMT será composto por sete espelhos segmentados redondos, com 8,4 metros de diâmetro cada um, que – reunidos como as pétalas de uma flor em torno de seu botão central – formarão uma superfície óptica com uma abertura de 24 metros de diâmetro. O GMT está previsto para entrar em operação em 2019.
O projeto está orçado em US$ 690 milhões (cerca de R$ 1,6 bilhão), com previsão de aumento de US$ 30 milhões a cada ano que o início da construção for adiado. Por isso, os idealizadores têm pressa em obter a aprovação de instituições que já manifestaram interesse em participar do projeto. Entre elas estão as universidades do Arizona, do Texas, de Chicago, e Texas A&M – todas nos Estados Unidos – e da Universidade Nacional da Austrália (ANU).
Também já confirmaram interesse no projeto o Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian e o Instituto Carnegie para Ciência, ambos dos Estados Unidos, além do Instituto de Ciências Astronômicas e Espaciais da Coreia do Sul e do Astronomy Australia Limited (AAL).
“O desafio mais urgente e crítico para o GMT hoje é obter financiamento para a fase de construção”, contou Wendy Freedman, presidente do consórcio, durante um workshop sobre o projeto, realizado nos dias 13 e 14 de novembro, na sede da FAPESP, em São Paulo.
O evento faz parte de um processo de avaliação pela FAPESP de uma solicitação de financiamento para apoiar a participação no GMT feita por pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo. Para a análise da proposta, após a obtenção de pareceres de assessoria, ficou clara a necessidade de se aferir o interesse da comunidade de pesquisa paulista na área, bem como o potencial para o envolvimento de empresas do Estado.
Pela proposta, a FAPESP teria 4% de participação no projeto, o que asseguraria aos pesquisadores de São Paulo um tempo cativo de observação no telescópio também de 4% por ano. O financiamento solicitado à FAPESP é de US$ 40 milhões.
Os astrônomos de São Paulo também teriam assento no conselho do consórcio, direito a voto nas decisões sobre o projeto e poderiam participar da construção do telescópio – que inclui desde a construção de partes do telescópio, como o domo, que terá cerca de 4 mil toneladas de aço, até o desenvolvimento de instrumentação científica.
No início de novembro, engenheiros do GMT realizaram um “Dia da Indústria”, na FAPESP, para apresentar às empresas brasileiras potenciais fornecedoras de equipamentos e prestadoras de serviços as possibilidades de participação na construção do telescópio.
“Não temos dúvida da importância científica do GMT. Mas temos que ter claro o papel que será desempenhado por pesquisadores do Estado de São Paulo e saber exatamente quais as garantias e riscos, além de quais dados e tecnologias poderão ser criados por meio desse projeto internacional”, disse Hernan Chaimovich, assessor especial da Diretoria Científica da FAPESP, na abertura do segundo evento, no dia 13 de novembro.
Adesão do Brasil ao ESO
O ESO, por sua vez, há alguns anos empenha esforços para que o governo do Brasil ratifique sua adesão ao consórcio astronômico europeu e participe da construção do megatelescópio E-ELT e de outros projetos da instituição.
Com o início da construção também previsto para 2014, o telescópio situado em uma montanha na região de Cerro Armazones, no Chile, e com um espelho com 39 metros de diâmetro, deverá ser o maior entre os chamados de “extremamente grandes” (ELT, ou “extremely large telescopes”). A conclusão da obra está prevista para 2023.
O espelho principal deverá ser composto por cerca de 800 segmentos hexagonais, com 1 metro cada, que formarão uma colmeia de espelhos com capacidade de capturar 15 vezes mais luz do que o maior telescópio em operação hoje, o Gran Telescopio Canarias, situado nas Ilhas Canárias, com 10,4 metros de diâmetro.
Para participar da construção do telescópio, no entanto, o Brasil precisa ratificar sua adesão ao consórcio astronômico europeu, que está em avaliação no Congresso Nacional.
“Ao aderir ao ESO, o Brasil tem a oportunidade de se juntar a um programa de pesquisa astronômica de longa duração que talvez seja o melhor existente hoje no mundo e no qual engenheiros, astrônomos e empresas de alta tecnologia têm a chance de trabalhar juntos”, disse o holandês Tim de Zeeuw, diretor geral da organização astronômica europeia, à Agência FAPESP, durante visita realizada por um grupo de jornalistas brasileiros às instalações do ESO no Chile, no início de novembro, a convite da organização.
Apesar de ainda não ter se credenciado oficialmente, o Brasil já é tratado e citado como membro oficial em diversos materiais de divulgação do consórcio astronômico europeu – como, por exemplo, em sua página na internet – e há diversas referências ao país nas instalações do ESO no Chile.
A bandeira brasileira, por exemplo, está hasteada ao lado das flâmulas dos 14 países europeus que já são membros oficiais do consórcio, na portaria do observatório do ESO em Cerro Paranal – uma montanha com 2,6 mil metros de altitude, localizada no deserto do Atacama, nas proximidades de Cerro Armazones.
A paisagem é tão semelhante a Marte que, na primeira semana de outubro, a Agência Espacial Europeia (ESA) realizou, próximo ao observatório, um teste com um robô – chamado Bridget – para uma futura missão exploratória ao planeta vermelho.
O país também é mencionado em um local bem menos visível do observatório: um túnel subterrâneo com as cores verde e amarela, localizado no Centro de Controle do telescópio Very Large Telescope (VLT), batizado de “Avenida Brasil”, em alusão ao nome de uma telenovela brasileira exibida atualmente no Chile.
Os astrônomos brasileiros têm realizado observações de forma esporádica nos telescópios do consórcio europeu. “As propostas de pedido de tempo de observação no VLT do Brasil não têm sido constantes. Do total de quase mil propostas que recebemos por ano, só 2% são de colegas brasileiros”, contou Claudio de Figueiredo Melo, potiguar que está no ESO no Chile desde 2003 e que em abril foi nomeado a um dos cargos mais importantes na hierarquia do consórcio de pesquisa astronômica: o de diretor científico.
A fim de tentar acelerar a integração da comunidade científica de astrônomos brasileiros com o ESO, em agosto, Melo e o paulista Dimitri Alexei Gadotti – que realizou doutorado e pós-doutorado com Bolsa da FAPESP e integra a equipe permanente de astrônomos do consórcio – visitaram algumas universidades e instituições de pesquisa no Brasil para apresentar as possibilidades de pesquisa nos telescópios do observatório chileno e explicar como devem ser formatadas as propostas de pedido de tempo de observação.
O ESO também realizou em 2011 e este ano o “Dia da Indústria”, com o objetivo de apresentar a empresas brasileiras oportunidades de desenvolvimento de instrumentação científica para os telescópios. E, recentemente, aprovou um projeto para o desenvolvimento do primeiro instrumento brasileiro para ser integrado a um dos telescópios do VLT de Cerro Paranal.
O instrumento, denominado Cubes, está sendo construído por pesquisadores do IAG, da USP, em colaboração com colegas do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), em Minas Gerais.
Cubes é a sigla em inglês de Cassegrain U-band Brazilian-ESO Spectrograph e consiste em um espectrógrafo de baixa a média resolução, especializado em observações em comprimento de onda no ultravioleta, que será voltado a estudos sobre a composição química das galáxias. O projeto é financiado, inicialmente, pelo próprio LNA e pelo IAG.
Atualmente, os pesquisadores brasileiros envolvidos no projeto fazem ajustes no equipamento, em colaboração com engenheiros do ESO, para aumentar seu desempenho e inserir alguns componentes.
“O projeto está caminhando muito bem e vamos apresentá-lo nessa segunda etapa, de implementação, em diversas conferências com a participação de astrônomos e engenheiros do ESO que devem ocorrer nos próximos meses”, disse Beatriz Barbuy, professora do IAG e coordenadora do projeto.
A inserção do equipamento em um dos telescópios do ESO, no entanto, dependerá da ratificação do Brasil como membro efetivo do consórcio europeu de pesquisa astronômica.
Caso o Brasil não confirme sua integração ao ESO, o projeto do espectrógrafo poderá ser descartado ou transferido para um dos 14 países europeus membros do consórcio de pesquisa astronômica, disseram representantes do ESO. “No dia em que a adesão do Brasil for ratificada, o projeto de desenvolvimento do Cubes avançará”, disse Melo.
Experiência brasileira
Tanto no caso do desenvolvimento do Cubes como na construção de instrumentação científica para o GMT, a ideia é aproveitar a experiência brasileira nessa área, acumulada pela participação de pesquisadores de universidades do Estado de São Paulo com instituições de pesquisa do país, no desenvolvimento de equipamentos para telescópios.
Por meio de projetos apoiados pela FAPESP, grupos de pesquisadores do IAG, em parceria com instituições de pesquisa do país, desenvolveram um espectrógrafo de alta resolução e umimageador para o SOAR, entre outros instrumentos científicos.
“O SOAR nos permitiu iniciar o desenvolvimento de instrumentação científica de classe mundial para telescópios”, disse Steiner. “Se queremos, no futuro, estar na fronteira do conhecimento em astronomia, temos que participar tanto do uso como do desenvolvimento de instrumentação científica para esses novos telescópios.” 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Pequena porção de espécies domina ecossistema na Amazônia

Cientistas de diversas partes do mundo acabam de publicar um estudo sobre a Amazônia onde identificaram que apenas 227 espécies de árvores exercem um tipo de domínio em relação às outras. A floresta amazônica é contém cerca de 16 mil espécies de árvores em cerca de 6 milhões de quilômetros quadrados (Km2) . Esta pequena proporção das espécies, que representam pouco mais de 1%, respondem por 50% do total das árvores da floresta. Ou seja, tem larga representatividade nos ciclos de carbono, água e nutrientes da Amazônia. O grupo de pesquisadores é formado por especialistas de 120 instituições do mundo e inclui 25 pesquisadores brasileiros.
Segundo o professor Alexandre Adalardo de Oliveira, do Laboratório Ecologia de Florestas Tropicais, do Instituto de Biociências (IB) da USP, coautor do estudo, os dados se referem a anos de pesquisas. “É a primeira vez que um conjunto de dados nesta escala é analisado”, diz o professor, lembrando que muitos estudos começaram há muitos anos. “Eu mesmo estudei as áreas de Manaus no início dos anos 1990 com meu trabalho de doutorado. Outros foram iniciados na década anterior”, ressalta. O estudo Hyperdominance in the Amazonian Tree Flora, que acaba de ser publicado Science, foi liderado pelo biólogo holandês Hans ter Steege, da Utrecht University, da Holanda.
As causas deste “domínio” ainda permanecem desconhecidas, mas o que se sabe é que grande parte da matéria e energia do sistema passa por essas espécies. Os cientistas sugerem que algumas espécies hiper-dominantes talvez sejam comuns por terem sido cultivadas pelos grupos indígenas antes de 1492, mas isso ainda é um assunto em discussão.“Essas espécies chamadas de hiper-dominantes podem nos ajudar a entender o funcionamento da floresta e a modelar possíveis cenários de utilização dos recursos e mesmo as consequências de mudanças climáticas no funcionamento do sistema”, avalia Adalardo.O estudo analisa dados compilados de 1.170 levantamentos florestais em todos os principais tipos florestais da Amazônia, para gerar a primeira estimativa de abundância, frequência e distribuição espacial em larga escala de milhares de árvores amazônicas.Extrapolações sugerem que a grande Amazônia, o que inclui toda a bacia amazônica e as Guianas, abriga cerca de 400 bilhões de árvores.
Lista vermelha


Em contraste com a presença das “hiper-dominantes”, o estudo também indica que cerca de 6 mil espécies de árvores da Amazônia têm populações menores do que 1.000 indivíduos, o que automaticamente as qualificaria para inclusão na Lista Vermelha de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). De fato, algumas dessas espécies são tão raras, que os cientistas talvez nunca as encontrem.Contudo, Adalardo adverte sobre os outros 99% das espécies que não estão entre as dominantes. “Notem que, apesar de estarmos falando de metade das árvores, estamos tratando de apenas pouco mais de 1% das espécies que compõem essa imensidão de floresta ou seja, não podemos esquecer que há de se revelar ainda esse universo composto pela outra metade das árvores e grande maioria das espécies para escrevermos uma história mais completa sobre a diversidade e funcionamento dessa floresta.”

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Cientistas tentam identificar genes-chave para o controle de funções vitais

Por Karina Toledo, de Londres
Agência FAPESP – Diversas funções vitais do organismo são controladas pelo sistema nervoso autônomo, entre elas os batimentos cardíacos, a pressão arterial e o balanço hidromineral (relação entre o volume de água e o teor de sódio). Mas, em grande parte das pessoas, esse controle deixa de funcionar adequadamente com o envelhecimento, o que aumenta o risco de problemas como desidratação, hipertensão e diversas outras doenças cardiovasculares.
Descobrir como o avanço da idade e certos hábitos de vida – entres eles o sedentarismo e o consumo excessivo de sal – afetam a expressão de genes em determinadas regiões cerebrais responsáveis por esse balanço autonômico é o objetivo de dois projetos que estão sendo conduzidos por pesquisadores brasileiros e britânicos no âmbito de um acordo firmado entre a FAPESP e os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês). Resultados preliminares desses projetos foram apresentados no dia 26 de setembro, durante a programação da FAPESP Week London. O simpósio foi realizado na capital do Reino Unido pela FAPESP, com apoio do British Council e da Royal Society. “Se conseguirmos identificar, por exemplo, um gene que é ativado pela prática de atividade física na parte do cérebro na qual estamos interessados, podemos manipular esse gene em animais para aumentar sua expressão e verificar se isso produz o mesmo efeito benéfico dos exercícios para o controle da pressão arterial. Claro que ainda estamos no nível da pesquisa básica, mas podemos, no futuro, identificar alvos potenciais para o desenvolvimento de novos medicamentos”, afirmou David Murphy, pesquisador da Universidade de Bristol e coordenador do grupo britânico nos dois projetos. No Brasil, a professora Lisete Compagno Michelini, da Universidade de São Paulo (USP), coordena um Projeto Temático, cujo objetivo é investigar os mecanismos fisiológicos responsáveis pelo desenvolvimento da hipertensão ao longo da vida e verificar se o treinamento físico poderia proteger contra esse déficit autonômico na velhice. “Antes do início do projeto, o grupo coordenado por Murphy já havia identificado em ratos adultos sete genes bastante relacionados com a homeostase cardiovascular. Nos experimentos feitos na USP, nós havíamos observado que a atividade física moderada melhora muito o balanço autonômico em ratos hipertensos, reduz a frequência cardíaca, a pressão arterial e modifica a expressão dos genes nessas mesmas áreas cerebrais estudadas por Murphy”, contou Michelini. Usando como modelo uma linhagem de ratos com propensão a desenvolver hipertensão à medida que envelhece, o grupo da USP decidiu estudar, em parceria com o grupo britânico, a expressão gênica em uma região do hipotálamo conhecida como núcleo paraventricular em várias fases da vida do animal. Também estão sendo analisados os genes do núcleo do trato solitário e da região rostroventrolateral da medula. A proposta é estudar quatro grupos de roedores: normotensos e hipertensos sedentários e normotensos e hipertensos, submetidos a uma hora diária de atividade física aeróbica moderada. “Pretendemos acompanhar esses quatro grupos desde um mês de idade – quando todos os animais ainda têm a pressão normal – até um ano e dois meses de idade, o que nos humanos seria o equivalente a 60 ou 70 anos”, contou Michelini. Também no Brasil, o professor José Antunes Rodrigues, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), coordena um Temático que busca esclarecer os mecanismos neuroendócrinos que controlam a sede, o apetite por sal e a homeostase dos líquidos corporais. De acordo com Antunes, a regulação do sal no organismo depende da presença de receptores especiais capazes de detectar variações da osmolaridade plasmática (concentração de íons como sódio, cloreto, proteínas, bicarbonato, glicose e outros constituintes) e do volume sanguíneo. Essas informações são encaminhadas para o sistema nervoso central, que determina respostas comportamentais, como maior ingestão de água ou de sódio, ou respostas neuroendócrinas e renais, como aumento na excreção de água e de sódio. O mau funcionamento desse sistema pode fazer, por exemplo, com que a pessoa não sinta sede quando deveria, aumentando o risco de desidratação. “Na década de 1960, nós já havíamos observado em ratos que certos tipos de lesão no núcleo paraventricular diminuem a ingestão de sódio e que lesões nos núcleos amigdaloides determinam o aumento do consumo”, contou Rodrigues. Estudos recentes, acrescentou, descreveram a existência de dois genes no hipotálamo – o Giot1 e o Rasd1 – envolvidos na regulação do controle da ingestão de sódio em ratos sadios. Aparentemente, uma maior expressão do Giot1 resulta na inibição da ingestão de sódio, enquanto o Rasd1 tem o efeito de aumentar o consumo. “Decidimos então formar a parceria para tentar correlacionar os eventos fisiológicos que acompanham a alteração da ingestão ou da excreção de sódio e água com alterações específicas nos genes da região hipotalâmica”, contou Antunes. Em um dos experimentos, os pesquisadores submeterem ratas prenhes a uma dieta rica em sódio durante o período de gestação e lactação e observaram mudanças no padrão de ingestão de sódio e de água na prole.
“Queremos avaliar as alterações fisiológicas e genéticas que esses animais vão apresentar na idade adulta, tanto em repouso como em condição de restrição hídrica ou de sobrecarga salina”, disse o pesquisador.


Mão dupla
Com grande expertise no campo da fisiologia, os grupos brasileiros trabalham com modelos animais para identificar quais partes do organismo estão envolvidas no controle autonômico. Já o grupo da Inglaterra é responsável pela análise do chamado transcriptoma, ou seja, descobrir quais genes estão sendo expressos, em que nível e em quais regiões do corpo, e como os estímulos ambientais afetam a transcrição dos genes. “Depois de identificar os genes nessas partes do cérebro que sabemos serem cruciais para a regulação da homeostase, usamos ferramentas da bioinformática capazes de fazer um processamento matemático muito complexo para mapear a rede de interação gênica e identificar os genes-chave, também chamados de hub, que são aqueles com um maior número de ligação com outros genes”, contou Muphy. O objetivo, acrescentou o pesquisador, é justamente identificar alvos que poderão ser manipulados nos animais para observar, em seguida, a consequência fisiológica dessa alteração. Antunes ressalta que a parceria internacional está sendo muito importante não apenas porque um grupo complementa o trabalho do outro, mas também porque está possibilitando o treinamento de pós-doutorandos. Murphy concorda: “Tenho um laboratório repleto de brasileiros e há uma troca de habilidades. Nós estamos aprendendo fisiologia integrativa e os pós-doutorandos brasileiros estão estudando não apenas a transcriptômica, mas também a bioinformática, e aprendendo a fazer ferramentas para manipular expressão de genes in vivo. Estabelecer essa capacidade em São Paulo será muito importante”, avaliou. 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Pesquisa traz alternativa para sedar crianças em tomografias

Por Fernando Pivetti - fernando.pivetti@usp.br
Nas últimas décadas, os postos de atendimento de hospitais presenciaram um forte crescimento da execução de exames de tomografia em crianças. Buscando atingir uma eficácia maior do exame, que exige imobilidade total, pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) desenvolveram um método de sedação para crianças, mais eficaz e menos invasivo. O trabalho foi publicado no Journal of  Pediatrics, revista de terceiro maior fator de impacto em pediatria do mundo. A alternativa para o processo de sedação foi encontrada na tese de doutorado do médico Eduardo Mekitarian Filho. “Atualmente o número de pedidos de tomografia é cada vez maior e crianças menores não cooperam para a realização do exame”, comenta o pesquisador. A tomografia é um exame que requer total imobilidade do paciente, “e como a quantidade de radiação emitida é muito alta, o equivalente a 150 raios-X em 2 segundos, o ideal é realizar o exame o mínimo de vezes possível”. Tradicionalmente, o sedativo utilizado nos hospitais é uma substância que já tinha sido abandonada havia muitos anos em muitos lugares fora do Brasil, o hidrato de cloral. “Trata-se de um sedativo que possui efeitos colaterais e um tempo prolongado de recuperação”, descreve. “Há estudos que mostram, inclusive, efeitos colaterais mais graves, incluindo aspectos cancerígenos”, ressalta. A substância ainda apresentava um incômodo maior, pois era introduzida via anal, por intermédio de uma sonda.
A alternativa proposta no estudo seria a utilização de uma substância chamada Midazolam, injetada pelo nariz da criança, em um processo semelhante ao dos descongestionantes nasais. “É uma forma simples e rápida de aplicação e que até o momento não havia sido estudada”. Segundo Mekitarian, o Midazolam é um sedativo muito utilizado em prontos socorros pediátricos, e possui um tempo de ação mais curto e efeitos colaterais previsíveis.Durante o período de estudos, 60 crianças menores de 3 anos foram submetidas ao método antes de realizar o exame de tomografia. “Durante o procedimento, eram anotados o horário em que a droga foi injetada, o tempo para a criança dormir, o tempo de realização da tomografia, e o tempo para acordar e ter condição de alta”. Enquanto isso, os sinais vitais, como frequência cardíaca e respiratória, oxigenação e pressão, eram monitorados. Na introdução do sedativo, era utilizada uma seringa pequena acoplada a um dispositivo, que permite que o líquido injetado saia na forma de pequenas gotas, semelhante a um spray. “Esse modo de introdução é importante pois, quando injetamos no nariz o líquido inteiro, a criança acaba engolindo e não o absorve. E para eficácia do método, é necessário que a droga seja absorvida só no nariz, por isso a transformação em pequenas gotas” explica Mekitarian. A quantidade padrão de líquido inserido era de 0,4 miligramas por quilo (mg/kg) de peso da criança, uma dose maior do que a utilizada quando se insere pela veia, uma vez que a criança engole parte do líquido.

Resultados positivos

Os dados coletados durante a realização dos exames mostraram que o sedativo Midazolam apresenta muitos pontos positivos. Com relação à eficácia da substância, houve uma sedação adequada em 93% dos casos. Os outros 7% foram sedados por outros métodos. Para Mekitarian, essa “é uma taxa de falha de sedação muito aceitável em comparação com outros sedativos”. No monitoramento da segurança, foi observada uma taxa de 5% de eventos adversos, considerados de risco mínimo. “Das crianças que apresentaram algum comportamento fora do esperado, 3 tiveram uma reação contrária, ou seja, ficaram mais agitados, 1 criança apresentou vômito e 1 criança demorou muito tempo para acordar, mais de 2 horas”. O pesquisador ressalta que, como nenhum evento mais grave, como problemas respiratórios ou cardíacos foram observados, é possível verificar que “é uma droga muito facilmente tolerável, eficaz e de poucos riscos à criança”. Como o dispositivo acoplado às seringas possui um preço elevado, cerca de R$36,00 cada, e é descartável, o procedimento de sedação ainda não foi padronizado. A expectativa é que esse quadro seja revertido, tornando o novo método mais popular nos atendimentos dos hospitais. “Mostramos que existe uma via segura, eficaz, barata, com efeitos colaterais mínimos de sedação e de fácil acesso. O próximo passo é tentar viabilizar o preço do dispositivo”, conclui Mekitarian.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Sobrevivência de ecossistemas de Bertioga exige atenção

Por Noêmia Lopes, Agência FAPESP 

As bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba, localizadas no interior do Parque Estadual da Restinga de Bertioga (município da região metropolitana da Baixada Santista, em São Paulo), guardam um importante patrimônio natural brasileiro, com grande geodiversidade e biodiversidade. Elas abrigam diversos tipos de formações geológicas e diferentes ecossistemas de planície costeira e vegetação de restinga. Se as intervenções provocadas pelo homem seguirem em curso na região, no entanto, o local poderá ser afetado de maneira irreversível. É o que conclui uma pesquisa coordenada por Celia Regina de Gouveia Souza, pesquisadora do Instituto Geológico da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo e professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Geografia Física da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), realizado com apoio da FAPESP. De modo geral, o risco ecológico da área é classificado como médio. “Isso quer dizer que novas ações humanas podem desequilibrar de vez os sistemas, principalmente se afetarem solos e águas, dois dos fatores que mais influenciam na classificação do risco”, afirmou Souza. Os diferentes níveis de atenção a que os sistemas naturais de Bertioga estão sujeitos foram calculados a partir da Avaliação de Risco Ecológico (ARE). Trata-se de uma ferramenta científica que estabelece a chance de um evento adverso comprometer a integridade de um sistema e dos serviços ambientais oferecidos ao homem – como matéria-prima para a produção de alimentos e remédios, madeira para diferentes usos, água para abastecimento e produção de energia, cobertura vegetal para controle natural de erosão, entre outros. Embora ainda seja possível encontrar ecossistemas íntegros em Bertioga (sem importantes intervenções antrópicas – feitas pelo homem) ou em estado muito avançado de regeneração, já existem trechos sob risco ecológico alto e muito alto, o topo da escala. Os pontos mais críticos estão nas bordas das florestas, onde a ocupação é mais intensa; na zona mais próxima do mar, pela qual passam rodovias, oleodutos e linhas de alta tensão; e em estradas vicinais que cruzam a planície costeira, interceptando diversos ecossistemas. “Essas estruturas afetam, por exemplo, a drenagem natural da planície costeira, de baixa declividade e com nível de lençol freático muito raso, promovendo a rápida acumulação e retenção de água nos períodos de chuva, o que desequilibra o funcionamento de alguns ambientes costeiros”, disse Souza. Segundo a pesquisadora, outra área sob ameaça é a do condomínio Morada da Praia, que, por cruzar toda a planície costeira, afetou vários ecossistemas e provocou mudanças permanentes. Entre elas, estão alterações no regime de fluxos de águas superficiais e subterrâneas, nas características dos solos superficiais e até mesmo no tipo de vegetação nativa que recobria algumas das áreas vizinhas ao condomínio. “Todas essas modificações ambientais requerem ações de recuperação e proteção”, disse Souza. Os estudos também apontam problemas na flora e na fauna das bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba, por conta de ações extrativistas ilegais. A ocorrência natural do palmito, por exemplo, já é rara na região.





Estudos multidisciplinares As pesquisas que Souza realiza nas planícies costeiras paulistas desde o início dos anos 1990 sempre apontaram para a existência de associações específicas entre os diferentes ambientes de sedimentação e determinados tipos de vegetação. Por exemplo, as florestas baixa e alta de restinga (a primeira com árvores de menor porte, próxima à praia, e a segunda com árvores maiores e distribuídas em direção ao interior da planície costeira) ocorrem somente sobre depósitos marinhos (antigas linhas de praia formadas durante os eventos de subida e descida do nível do mar). Já nas depressões centrais das planícies costeiras, onde se desenvolviam estuários e lagunas quando o nível do mar estava bem mais alto que o atual (há 5.600 anos), hoje ocorrem somente as florestas paludosas (permanentemente encharcadas) e suas variações. Em Bertioga, onde os estudos são desenvolvidos desde 2006, a pesquisadora e sua equipe obtiveram 17 grupos de associações, preliminarmente denominados de “sub-biomas” de planície costeira. Os principais “sub-biomas” foram estudados quanto aos seus aspectos geológicos, geomorfológicos, hídricos, pedológicos (solos), microclimáticos e botânicos. “No Brasil, é a primeira vez que se traça um panorama como esse. O mapa de ‘sub-biomas’ que desenhamos e os estudos realizados são fundamentais para entender o complexo comportamento dos ambientes costeiros, subsidiar projetos para a recuperação de áreas degradadas e repensar as formas de uso e ocupação das planícies costeiras”, afirmou Souza. Segundo a pesquisadora, alguns desses ‘sub-biomas’ já estão ameaçados de extinção. É o caso da floresta baixa de restinga sobre cordões litorâneos – quando o nível do mar desce, deixa para trás linhas de praia, denominadas cordões litorâneos – do período Holoceno (de 11.800 mil anos atrás ao presente). Por ter distribuição restrita ao longo das áreas mais próximas à praia, tal floresta vem sendo sistematicamente destruída pela urbanização em todos os estados costeiros brasileiros onde ocorre. “Além das intervenções antrópicas, há processos naturais que também colocam esse ‘sub-bioma’ em risco, como a atual elevação do nível do mar e o aumento do número e da magnitude das ressacas em decorrência das mudanças climáticas”, disse Souza. Três estudos de pós-graduação vinculados à FFLCH/USP viabilizaram monitoramentos que compuseram a ARE dos 17 “sub-biomas”: a dissertação de mestrado de Daniel Pereira dos Santos, a tese de doutorado de Felipe de Araújo Pinto Sobrinho – ambas com bolsas FAPESP – e a tese de doutorado de Jaime H. J. Badel-Mogollón, com bolsa do CNPq. Entre os principais fatores monitorados estão variações de chuva e de temperatura, balanço hídrico das bacias, nível do lençol freático, qualidade da água superficial e subterrânea, características da vegetação (fitossociologia e florística), alterações na paisagem natural por atividades humanas, parâmetros químicos dos solos e sua estabilidade estrutural – sendo que para este último o projeto contou com a participação de pesquisadores da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade de Antioquia, na Colômbia. A partir desses componentes ambientais foram obtidas a sensibilidade ecológica (importância ecológica dos componentes ambientais e sua vulnerabilidade) e a intensidade potencial de efeitos (impactos gerados pelas atividades antrópicas e adversidades naturais sobre os componentes ambientais), para completar a análise do risco ecológico. Aplicações práticas e acadêmicas O conjunto das informações levantadas oferece um panorama sobre zonas que devem receber atenção prioritária, tanto em relação à reparação de danos como em relação à preservação ambiental. Os dados já contribuíram para discussões que culminaram na criação do Parque Estadual da Restinga de Bertioga (PERB), em dezembro de 2009. Com mais de 9 mil hectares, o local engloba as bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba. Souza faz parte do Conselho Gestor do PERB e participará da elaboração do futuro Plano de Manejo do parque. Além disso, Souza conta que o projeto gerou dados valiosos para o planejamento ambiental de Bertioga; para o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro; para estudos sobre recuperação de áreas degradadas de vegetação de restinga, economia verde e impactos das mudanças climáticas em ecossistemas costeiros; além de estudos ecológicos, geológicos, hidrológicos, climatológicos e botânicos em outras planícies costeiras. “O conhecimento acumulado colabora com a tarefa de cientistas e gestores públicos de minimizar os impactos do planejamento inadequado ou ausente sem desconsiderar as necessidades humanas que envolvem o uso de recursos naturais”, disse Souza. Acesso ao texto completo.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Empreendimentos sociais geram ganhos materiais e bem-estar

Por Rúvia Magalhães Agência Usp
Um empreendimento social é uma organização sem fins lucrativos com uma ideia inovadora para promover uma mudança social. Visando entender melhor como eles funcionam e como contribuem para a promoção do desenvolvimento local, a pesquisadora Monica Bose, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, iniciou sua tese de doutorado. Por meio desse estudo foi possível concluir que os empreendimentos estudados tiveram, além de um incremento do bem-estar social, ganhos materiais. Apesar de terem aprimoramentos a serem feitos, todos as iniciativas estudadas são bem estruturadas e têm condições de alcançar metas. O estudo envolveu três empreendimentos sociais da região metropolitana de São Paulo.
A pesquisa constituiu na identificação e análise, em nível local, das contribuições das iniciativas. Os empreendimentos alvo dos estudos foram a Aliança Empreendedora, criado em Curitiba, a Rede Interação, criada em São Paulo, e o Fundo Zona Leste Sustentável, também criado em São Paulo.A Aliança Empreendedora tem como objetivo auxiliar na capacitação e formação de catadores de lixo cooperados, por meio de cursos e assessorias. A Rede Interação objetiva realizar a urbanização de áreas precárias, transformando a realidade do local. O Fundo Zona Leste Sustentável visa fortalecer a economia local (da região de São Miguel Paulista, na zona leste da cidade) e mobiliza recursos para movimentação dos negócios na região. Segundo a pesquisadora, esses empreendimentos estão se tornando cada vez mais profissionalizados, porém ainda restava a dúvida se eles estariam tendo impactos socais. Monica analisou se os objetivos a que eles se propuseram estavam sendo alcançados e aprofundou o debate nesse aspecto: Se os objetivos não foram alcançados, quais são os motivos? Oque poderia ser feito para que sejam alcançados?. Além disso, a pesquisadora avaliou se esses empreendimentos eram bem constituídos, quais eram suas contribuições nos aspectos sociais e em quais medidas. “Um segundo objetivo para a pesquisa foi tentar construir métricas que associassem a ação do empreendedorismo social ao desenvolvimento local”, explica a pesquisadora. Ela ressalta que buscou não apenas entender se o empreendimento social estudado atingiu seus próprios objetivos, mas se ele conseguiu, e em que medida, colaborar com o desenvolvimento, pensado como liberdade ou expansão de capacidades. Ou seja, ela também buscou analisar “em que medida os empreendimentos ampliaram as capacidades dos indivíduos que são beneficiados por suas ações”.


Metodologia
A tese foi desenvolvida a partir de uma abordagem contextualista dos empreendimentos sociais. Foram três estudos de caso, abordando as iniciativas já citadas inseridas em seu próprio meio, em parceria com agentes e atores que vão influenciar a ação e os resultados desse empreendimento social. “Estudei as teorias sobre o desenvolvimento social e sobre o desenvolvimento local para fundamentar esse estudo e estabelecer um diálogo sobre a questão do desenvolvimento e do empreendedorismo social”, relata Monica. Com base nas análises e teorias, foram identificados os principais agentes influenciadores e que tipo de poder e capitais eles mobilizam. A partir do estudo de cada caso, foram buscados indicadores capazes de apontar se aquelas comunidades nas quais os empreendimentos trabalhavam tiveram algum ganho, em termos de promoção de desenvolvimento. Foram usados três vertentes de indicadores: de riqueza material, de bem-estar social e de empoderamento.

Conclusões
A pesquisadora apontou que, embora os empreendimentos sejam diferentes, com abordagens diferentes, as iniciativas chegam a resultados parecidos: “apesar da fundamentação ser diferente e as metodologias adotadas também serem diferentes, é bastante interessante notar que eles chegam em resultados parecidos”.

Em todos os três casos, o indicador mais evidente foi na esfera da riqueza material. Todos trouxeram ganhos significativos seja na geração de empregos, no aumento da renda e no poder de consumo das pessoas que participaram dos empreendimentos estudados. Já a promoção do bem-estar social foi relativa, dependendo do foco de cada iniciativa pôde ser mais direta ou indireta. Todos os empreendimentos sociais estudados têm metodologias eficientes e bem estruturadas, o que revelam boas condições de atingir os objetivos. No entanto, as instituições têm aperfeiçoamentos a serem feitos. Uma das principais é a formulação de um método que sugira formas de ampliar a participação popular e o público atendido pelas oportunidades oferecidas.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Estudo da FSP avalia o impacto do Bolsa Família na compra de alimentos em famílias de baixa renda

Da Assessoria de Imprensa da Faculdade de Saúde Pública (FSP)
Avaliar o impacto do Programa Bolsa Família sobre a aquisição de alimentos em famílias de baixa renda no Brasil foi o objetivo da tese de doutorado Impacto do Programa Bolsa Família sobre a aquisição de alimentos em famílias brasileiras de baixa renda, de autoria da nutricionista Ana Paula Bortoletto Martins, sob orientação do professor Carlos Augusto Monteiro, do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.



Segundo a pesquisadora, “As avaliações de impacto dos programas de transferência de renda sobre alimentação dos beneficiários brasileiros são escassas e não apresentam resultados consistentes”. Isso faz com que esta tese seja uma das primeiras contribuições para a avaliação desta realidade no país. Para a realização da pesquisa, foram utilizados dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada em 2008-2009 em uma amostra probabilística de 55.970 domicílios brasileiros. A avaliação de impacto foi realizada para o conjunto dos domicílios de baixa renda (com renda per capita inferior a R$ 210,00) e, separadamente, para os domicílios deste conjunto com renda superior e inferior à mediana, denominados, respectivamente, domicílios ‘pobres’ e ‘extremamente pobres’. O impacto do programa sobre a aquisição de alimentos foi estabelecido comparando-se indicadores da aquisição de alimentos entre domicílios beneficiados e não beneficiados pelo programa, que foram agrupados em blocos e pareados com base no escore de propensão de cada domicílio possuir moradores beneficiários. Os resultados obtidos pela pesquisa mostram que, comparados aos domicílios não beneficiados, os domicílios beneficiados pelo programa apresentaram maior gasto total com alimentação, maior disponibilidade de energia proveniente do conjunto de itens alimentares e maior disponibilidade proveniente de alimentos e de ingredientes culinários. Não houve diferenças significativas entre beneficiados e não beneficiados pelo programa com relação à disponibilidade de produtos prontos para consumo. Houve diferenças significativas favoráveis aos domicílios beneficiados pelo programa com relação à disponibilidade de alimentos como carnes, tubérculos e hortaliças. Resultados semelhantes foram observados para os domicílios ‘pobres’ e ‘extremamente pobres’, ainda que as diferenças favoráveis aos domicílios beneficiados pelo programa tenham sido menos expressivas na condição de extrema pobreza. Observando estes resultados, a pesquisadora concluiu que o impacto do Programa Bolsa Família em famílias de baixa renda traduziu-se em maior gasto domiciliar com alimentação, maior disponibilidade de alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários e maior disponibilidade de alimentos que usualmente diversificam e melhoram a qualidade nutricional da dieta. Os efeitos do programa foram menores para famílias extremamente pobres. Segundo Ana Paula, “o Programa Bolsa Família promove maior consumo de alimentos entre as famílias beneficiadas. Porém, o aumento da renda isolado não garante melhorias efetivas na qualidade da dieta. Outras políticas que incentivem o consumo de alimentos saudáveis e garantam o acesso a esses alimentos são fundamentais”.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Estudo indica como aumentar a conservação de frutas amazônicas

Por Karina Toledo
Agência FAPESP – As propriedades funcionais presentes em boa parte das frutas amazônicas já foram reconhecidas por diversos estudos. Mas os consumidores de outras regiões do país e do mundo costumam ter acesso a esses alimentos somente após seu processamento, geralmente na forma de polpa congelada ou de doce. Para facilitar a comercialização in natura, dentro e fora do país, de três espécies nativas da floresta tropical – camu-camu (Myrciaria dubia), bacupari (Garcinia gardneriana) e abiu (Pouteria caimito) – pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) investigaram o ponto ideal de colheita e a temperatura de armazenamento que permite prolongar ao máximo o tempo de vida pós-colheita. “O camu-camu foi escolhido como carro-chefe do trabalho por ser a espécie conhecida com o maior teor de vitamina C. O nível de ácido ascórbico dessa fruta chega a ser 150 vezes maior que o da laranja. Além disso, é rico em antocianina, um pigmento com propriedades antioxidantes”, disse Patrícia Maria Pinto, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Fitotecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). Segundo Pinto, bolsista de Doutorado e de Mestrado da FAPESP, o bacupari foi escolhido por ser rico em carotenoides e possuir princípios ativos com ação bactericida. Já o abiu, além de muito saboroso, é rico em vitaminas A, B e C, além de cálcio e fósforo.
“São frutas pouco exploradas, comercializadas em pequena escala no país e com potencial até para exportação”, disse Pinto.O projeto de pesquisa foi realizado no Laboratório de Pós-Colheita de Frutas e Hortaliças, sob orientação do professor Angelo Pedro Jacomino, do Departamento de Produção Vegetal da Esalq. Parte das análises foi feita na Universidade da Flórida, Estados Unidos, sob supervisão do professor Steven Sargent.

As frutas foram colhidas em diferentes estádios de maturação e, por meio de análises físicas, químicas, fisiológicas e testes de qualidade, foi determinado o período ideal para cada espécie.“Algumas frutas, como a banana, podem ser colhidas ainda verdes. São as chamadas frutas climatéricas. Outras, como o abacaxi e a laranja, precisam estar totalmente maduras, pois o processo de amadurecimento é interrompido com a colheita e, se forem colhidas antes da hora, a qualidade dessas frutas é prejudicada. São as chamadas frutas não-climatéricas”, explicou Pinto. De acordo com os resultados das análises, o camu-camu e o abiu se mostraram viáveis para colheita cerca de 15 dias antes da maturação completa. “O ponto ideal para o camu-camu é quando está com a casca na cor vermelho-esverdeada e, o abiu, com a casca na cor verde-amarela”, disse Pinto. O bacupari, por outro lado, se revelou um fruto não-climatérico. Precisa ser colhido já totalmente maduro, quando a casca atinge a coloração laranja. Em seguida, as frutas foram submetidas a diferentes temperaturas de armazenamento. Os pesquisadores da Esalq verificaram que o abiu e o bacupari podem ser refrigerados a 10 ºC, por mais de 15 dias, sem sofrer alterações de cor nem qualquer outro dano pelo frio. Já o camu-camu pode ser armazenado a 5 ºC, também por mais de 15 dias, sem qualquer prejuízo. À temperatura ambiente, o tempo de vida pós-colheita das frutas foi em torno de uma semana. “Avaliamos a coloração das frutas, a firmeza, perda de massa, o teor de acidez e de sólidos solúveis e a integridade dos pigmentos e das vitaminas para determinar por quanto tempo elas se mantinham viáveis para consumo”, explicou Pinto.
Outras frutas
Embora sejam espécies nativas da Amazônia, as frutas usadas na pesquisa foram todas cultivadas no Estado de São Paulo. Os abius são originários de pomares comerciais da região de Mirandópolis. Os bacuparis e os camu-camus são da Coleção de Frutas Tropicais da Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB), instituição parceira no desenvolvimento do estudo. “Queríamos mostrar aos produtores que, com técnicas corretas, essas espécies da floresta amazônica se desenvolvem bem em outras regiões e têm boa vida pós-colheita”, disse Pinto. 
Segundo ela, as análises usadas no trabalho podem servir de base para outras frutas, entre elas o açaí, principal destaque da fruticultura amazônica. “Há poucos estudos sobre a pós-colheita do açaí in natura. A maioria deles é feita com produtos industrializados, na forma de suco, de polpa congelada ou de pó. Também seria interessante intensificar os estudos com outras espécies amazônicas, como o cupuaçu e o guaraná”, opinou. 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Substância usada na hipertensão é eficaz para tratar esquizofrenia

Fonte: Agência USP


Pesquisa conjunta entre a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e Unidade de Pesquisa em Neuroquímica da Universidade de Alberta, Canadá, obtém novo tratamento para a esquizofrenia. Resultados mostraram maior eficácia no controle de todos os seus sintomas, além de ação mais rápida e sem efeitos colaterais. Os achados da pesquisa, coordenada pelos professores Jaime Hallak, da FMRP, e Serdar Dursun, de Alberta, acabam de ser publicados na Revista Archives of General Psychiatry/JAMA Psychiatry.Os medicamentos disponíveis até hoje, segundo os pesquisadores, traziam melhoras somente parciais e agiam, principalmente, nos delírios e alucinações dos pacientes, mas possuíam ação muito discreta, ou mesmo não agiam, sobre outros sintomas, como os negativos e cognitivos. Assim, começaram a testar um tratamento com uma substância já conhecida, o nitroprussiato de sódio, que é utilizado na hipertensão arterial sistêmica grave.
Depois de amplamente testada em animais, estudaram durante três anos sua ação em humanos, os quais apresentavam a fase aguda da doença, com indicação de internação e, no máximo, cinco anos de diagnóstico. Esses pacientes foram internados no Hospital das Clínicas da FMRP e, após uma semana tomando os medicamentos prescritos por seus médicos, aqueles que ainda apresentavam os sintomas da doença foram divididos em dois grupos. O primeiro recebeu placebo e o outro, a medicação à base de nitroprussiato de sódio.

“Os resultados foram impactantes naqueles que receberam o nitroprussiato de sódio”, revela Hallak. Ele conta que houve uma diminuição de todos os sintomas agudos da esquizofrenia já nas primeiras horas de infusão. “Esses pacientes foram avaliados durante as 4 horas de infusão, depois de 12 e 24 horas, depois de 7 e de 28 dias, e continuaram com a melhora. E, o mais importante, não apresentaram efeitos colaterais. A pressão inclusive se manteve normal”, comemora.
Reversão dos sintomas da esquizofrenia
Nitroprussiato de sódio é um tipo de sal que doa o óxido nítrico ao sistema nitrérgico, ou seja, é um vaso dilatador que age na periferia do sistema vascular. Mas no caso da esquizofrenia, o interesse dos pesquisadores foi na ação central (no sistema nervoso central).Várias discussões sobre a fisiopatologia da esquizofrenia, as quais já haviam concluído pela existência de uma disfunção do sistema glutamatérgico nos portadores da doença, serviram de ponto de partida para as pesquisas. “Esse sistema glutamatérgico age muitas vezes utilizando o óxido nítrico como intermediário, ou como um segundo ou terceiro mensageiro. Então, se tiver uma diminuição de alguma função desse sistema neurotransmissor glutamatérgico, diminuiria a produção de óxido nítrico. Assim, após analisar os estudos que trazem essa evidência, hipotetizamos que se fosse reposto o óxido nítrico, haveria a reversão dos sintomas de esquizofrenia. E foi justamente isso que aconteceu”, afirma o professor Hallak.

Potencial cura para a esquizofrenia
Cerca de 1% da população mundial sofre de esquizofrenia, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A doença é crônica, não tem cura e atinge a pessoa no momento em que todos esperam seu desabrochar, o final da adolescência.Segundo o professor Hallak, nos últimos 60 anos houve um grande avanço na diminuição dos efeitos colaterais dos medicamentos que tratam a esquizofrenia, mas a eficácia ainda é pequena. Esses medicamentos, diz, agem principalmente no sistema dopaminérgico. “Esses medicamentos são muito bons para os sintomas chamados positivos, como delírios e alucinações, por exemplo, o paciente tem uma melhora parcial e os resultados do tratamento demoram para aparecer. Eles não são bons nos sintomas cognitivos, os negativos e afetivos da esquizofrenia.

Para o estudo que foi publicado, os pesquisadores avaliaram os pacientes que receberam o nitroprussiato de sódio até o 28º dia de tratamento. Entretanto, novos estudos conduzidos pelo grupo trazem evidências de que a melhora perdura ao menos até três meses. “Estamos partindo agora para o estudo de doses repetidas”, revela o professor. Os especialistas garantem que, além da própria eficácia do tratamento, esses resultados abrem caminho para pesquisas nessa mesma linha para tratamentos curativos da esquizofrenia. “Esses resultados são a prova de que existem tratamentos mais efetivos e que é possível pensar em cura para a esquizofrenia. Alguns grupos estão pesquisando formas de identificar cada vez mais precocemente marcadores que prevejam o aparecimento da doença. Assim, essas pessoas podem começar um tratamento também precoce com drogas, por exemplo, desta linha. Com isso a chance de se impedir o aparecimento e, consequentemente, a progressão da doença, é muito grande. Estamos abrindo caminho não só para um medicamento, mas também para pesquisa na fisiopatologia, nas causas da esquizofrenia”.
Participaram da pesquisa publicada na JAMA Psychiatry, Melhoria rápida dos sintomas da esquizofrenia agudizada após nitroprussiato de sódio por via intravenosa: um estudo randomizado duplo-cego, placebo-controlado, além dos professores Hallak e Dursun, os professores Glen Baker, João Paulo Maia de Oliveira, José Alexandre Crippa, Antonio Waldo Zuardi, João Abrão, Paulo Roberto Évora e Paulo Abreu.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Artigo faz revisão bibliográfica da produção científica sobre a Nutrição na Atenção Primária à Saúde no Brasil

Fonte Scielo


As autoras descrevem que a literatura mostra a efetividade das Ações de Nutrição na Atenção Primária (APS) para a promoção da saúde e a prevenção e tratamento de agravos. A Atenção Primária à Saúde é definida como os cuidados básicos e essenciais, para os quais há métodos, tecnologias e evidências científicas, ao alcance universal de indivíduos e famílias e contando com sua participação.
Segundo as autoras, no âmbito da APS no país, as ações de alimentação e nutrição e do cuidado nutricional compreendem atividades como a vigilância alimentar e nutricional, promoção da alimentação saudável e programas de prevenção e controle de distúrbios nutricionais, tais como anemia ferropriva e hipovitaminose A, além do acompanhamento das condicionalidades de programas governamentais, como o Programa Bolsa Família. Atualmente, tais ações são sistematizadas e organizadas numa Matriz de Ações de Alimentação e Nutrição na Atenção Básica de Saúde, representando um esforço convergente e complementar a diversos programas públicos de saúde.



As autoras salientam que estudo conduzido no Canadá aponta que um modelo de serviço de nutrição interdisciplinar, com diferentes e complementares serviços de apoio é mais prático e acessível à população, com melhor custo-efetividade e sustentabilidade do que um modelo de serviço de nutrição disciplinar. Assim, entende-se que as ações de alimentação e nutrição vão além das atividades desempenhadas por nutricionistas e têm importante papel na promoção da saúde da população e na prevenção e tratamento de agravos.
Com esta revisão sistemática de literatura, os autores concluíram também que a produção na área é crescente, porém identificaram que há necessidade de se redirecionarem as abordagens e os objetos de futuros estudos, focando-se mais em modelos de intervenção e em avaliação de programas.

O artigo "Produção científica sobre nutrição no âmbito da Atenção Primária à Saúde no Brasil: uma revisão de literatura" foi publicado na Revista Científica Ciência & Saúde Coletiva (Vol.18, Nº 2, Rio de Janeiro, fevereiro 2012) e editada pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO).

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Identificadas regiões do genoma ligadas ao câncer de ovário

Rosemeire Soares Talamone, do Serviço de Comunicação Social da Prefeitura USP de Ribeirão Pretoimprensarp@usp.br


Pesquisadores reunidos em consórcio internacional acabam de publicar resultados, identificando e caracterizando novas regiões do genoma humano associadas ao risco do câncer de ovário. O estudo teve a participação do professor Houtan Noushmehr, do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. As regiões identificadas apresentam alterações em um único par de base e, segundo os pesquisadores, estão em partes do DNA não codificantes, ou seja, não estão nos 3% do genoma que produzem proteínas, entretanto, são importantes na regulação da produção dessas proteínas.
O que os pesquisadores fizeram foi encontrar a associação dessas regiões que controlam a produção de proteína com o câncer de ovário. Mais pesquisas serão necessárias para determinar a verdadeira função biológica dessa região do DNA, mas o trabalho contribui para o estabelecimento de bases para a medicina genômica pessoal, segundo o professor  Noushmehr. Ele é co-autor em 2 dos 13 artigos publicados em 27 de março nas revistas Human Molecular GeneticsAmerican Journal of Human GeneticsPLoS GeneticsNature GeneticsNature Communications.

Noushmehr foi responsável por parte da análise de dados. Em trabalho anterior, o professor havia utilizado uma ferramenta de bioinformática, o FunciSNP, para integrar dados coletados em pesquisas sobre genoma e epigenoma de doenças como o câncer com o Genome-WideAssociation Studies (GWAS). Essa ferramenta foi desenvolvida pelo próprio professor Noushmehr quando fez seu pós-doutorado na Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos. “Meu laboratório na FMRP está interessado em decifrar as regiões reguladoras do genoma que podem conferir riscos a doenças complexas como o câncer de ovário, por exemplo”, ressalta. Os resultados publicados agora são frutos do trabalho de um grupo com mais de 100 pesquisadores reunidos em consórcio de colaboração internacional dos Estados Unidos e Reino Unido, o Collaborative oncological gene-environment study (CPV), do qual Noushmehr faz parte. Também utilizaram grande quantidade de dados gerados por outros grandes consórcios de pesquisadores, como The Cancer Genome Atlas (TCGA), ENCOD e “GWAS”.

Análise de dados
O chefe do Departamento de Genética da FMRP, o professor Wilson de Araujo da Silva Junior, destaca a importância da formação de Noushmehr para a análise desses dados. Biólogo com mestrado em biologia molecular e em bioinformática e doutorado na área de genética, “ele é o que chamamos de bioinformatacompleto; entende tanto a parte biológica como a parte computacional do estudo”. Noushmehr domina a visualização do problema biológico e também o conhecimento para desenvolver uma ferramenta capaz de decifrar esse problema. Ainda, segundo o professor Silva Junior, essa ferramenta de bioinformática consegue simplificar uma análise, o que normalmente outros profissionais, trabalhando de forma isolada, levam mais tempo ou realizam com menos eficiência. “Nesse caso, foi analisada uma quantidade muito grande de informação do genoma, tanto de pessoas saudáveis quanto de pacientes com câncer de ovário”.
Os resultados mostraram que determinadas regiões conferem mais riscos para o câncer de ovário. Essa revelação, garante Silva Junior, abre caminho para orientar o médico na conduta a ser tomada para o tratamento das pessoas acometidas por esse tipo de câncer. E melhor, a terapia pode ser personalizada, pois terão à disposição informações quanto à agressividade do tumor. O professor Noushmehr participou de trabalhos que geraram os artigos Identificationand molecular characterizationof a new ovarian cancer susceptibility locus at 17q21.31 e GWAS meta-analysisandreplicationidentifiesthree new susceptibility loci for ovarian cancerpublicados na Nature Communications e na Nature Genetics,  respectivamente.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Em busca de alvos terapêuticos, cientistas mapeiam rede de interação gênica


Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Descobrir como os genes de um determinado tecido do corpo humano se comunicam, e o que muda nessa rede de interação gênica quando uma pessoa fica doente, permite não apenas compreender melhor o mecanismo molecular das enfermidades como também identificar alvos terapêuticos para o desenvolvimento de novas drogas. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão usando essa estratégia para estudar o cérebro de pessoas com uma forma de epilepsia resistente aos medicamentos hoje disponíveis. Também estão usando o método para entender o desenvolvimento do timo, órgão de grande importância para o sistema imunológico, com o objetivo futuro de descobrir como as doenças autoimunes e as imunodeficiências se instalam. “Estamos aplicando na área de genômica uma ferramenta que surgiu na Física há muito tempo: análise de redes complexas. Isso permite mapear de maneira precisa os genes mais importantes e aqueles que têm mais ligações com outros genes”, contou Carlos Alberto Moreira-Filho, da Faculdade de Medicina (FMUSP).


A análise é feita com uma amostra milimétrica do tecido a ser estudado. Os cientistas extraem o RNA mensageiro presente no fragmento e, por meio de análises estatísticas, mensuram quais genes estão mais ou menos expressos no local. “Nossos genes são os mesmos em qualquer parte do corpo. O que diferencia uma célula da retina de uma do epitélio ou da mucosa gástrica é o conjunto de genes que está sendo expresso e a rede de interação entre eles. Por meio de análises estatísticas par a par, é possível perceber quando a expressão de um gene aumenta ou diminui e quem sobe ou desce com ele. Assim mapeamos a rede de interação”, explicou Moreira-Filho. Essa análise permite identificar dois tipos de genes-chave em um tecido: os HUBs – aqueles que têm um número grande de ligações com outros genes – e os VIPs – que, embora não tenham muitas ligações, funcionam como uma ponte entre os genes do tipo HUB.
“Identificar quem é VIP e quem é HUB não é mera curiosidade estatística. É extremamente importante em termos de função biológica. O gene HUB está relacionado a uma via metabólica importante e o VIP é responsável por unir duas ou mais vias metabólicas em um processo”, disse o pesquisador. Os softwares desenvolvidos para essas análises podem, segundo Moreira-Filho, ser usados para estudar doenças em qualquer parte do corpo. Servem ainda como ferramenta para estudos de genômica funcional de microrganismos, plantas e animais, levantando informações úteis para pesquisas que busquem, por exemplo, o melhoramento genético.
O trabalho vem sendo realizado no âmbito do projeto “Modelos e métodos de e-Science para ciências da vida e agrárias”, coordenado por Roberto Marcondes Cesar Junior, do Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP), e conta com a colaboração do grupo liderado por Luciano Fontoura da Costa no Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP). O projeto é financiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex).


Sinapse
As análises relacionadas à epilepsia, porém, começaram antes mesmo do Pronex – no âmbito de um Projeto Temático coordenado por Moreira-Filho. O objetivo era entender por que alguns pacientes com a forma mais comum da doença – chamada de epilepsia do lobo temporal mesial – não respondem ao tratamento medicamentoso. “Estimamos que um terço dos indivíduos afetados por esse tipo de epilepsia no mundo seja refratário às drogas existentes, algo em torno de 10 milhões de pessoas”, contou o pesquisador. Esses pacientes chegam a ter várias crises por semana, o que pode causar importante comprometimento da qualidade de vida, além do risco de morte súbita. Atualmente, a única opção nesses casos é remover cirurgicamente a parte do hipocampo afetada – procedimento difícil, caro, invasivo e ao qual poucos têm acesso.
“O ideal é encontrar uma solução medicamentosa, mas para isso precisamos entender melhor o mecanismo da doença. E uma das maneiras mais interessantes de fazer isso é pelo estudo das redes de interação gênica”, afirmou Moreira-Filho. No início, os pesquisadores usavam softwares mais simples, capazes apenas de mapear a rede de genes diferencialmente expressos – aqueles que estão se expressando de forma diferente por causa de um estímulo do ambiente, como febre ou trauma. Nessa época, a rede tinha entre 200 e 400 genes. Agora, graças aos softwares mais complexos, são cerca de 15 mil, o que corresponde a praticamente todos os genes expressos nessa região do hipocampo.
“Hoje a gente sabe com certeza que ser diferencialmente expresso não é a única razão da relevância de um gene em uma doença. Às vezes isso é uma consequência do padrão de relacionamento dos genes que mudou. Percebemos que os genes diferencialmente expressos são um elemento de perturbação da rede. Para saber onde intervir, é preciso conhecer a rede toda”, contou Moreira-Filho. As investigações iniciais na área de epilepsia do lobo temporal mesial já resultaram em um trabalho publicado na revista PLoS One. No artigo, os pesquisadores mostram que, dependendo do estímulo que desencadeia a doença, ela adquire um perfil molecular diferente. “Tem uma forma que resulta de um insulto precipitante febril e outra que resulta de outros tipos de estímulos. São perfis diferentes do ponto de vista molecular e isso é importante para identificar alvos terapêuticos. Já identificamos alguns genes candidatos para estudos com drogas in vitro e em modelos animais”, contou.
As pesquisas com fragmentos do timo ainda estão no começo, mas já foi possível perceber que o padrão de expressão dos genes nesse órgão sofre uma grande alteração a partir dos seis meses de idade e muda novamente a partir de um ano. Os resultados preliminares foram apresentados na 2ª Escola São Paulo de Ciência Avançada em Imunodeficiências Primárias (ESPCA-PID),realizada entre os dias 3 e 8 de março. “O timo é responsável pelo desenvolvimento da tolerância central, ou seja, ele ensina as células de defesa a não atacar antígenos do próprio organismo. O órgão é grande em recém-nascidos e diminui com o passar do tempo, mas a tolerância se mantém. Queremos entender o que acontece de tão espetacular com o timo nesse primeiro ano de vida”, afirmou Moreira-Filho.