segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Pesquisa traz alternativa para sedar crianças em tomografias

Por Fernando Pivetti - fernando.pivetti@usp.br
Nas últimas décadas, os postos de atendimento de hospitais presenciaram um forte crescimento da execução de exames de tomografia em crianças. Buscando atingir uma eficácia maior do exame, que exige imobilidade total, pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) desenvolveram um método de sedação para crianças, mais eficaz e menos invasivo. O trabalho foi publicado no Journal of  Pediatrics, revista de terceiro maior fator de impacto em pediatria do mundo. A alternativa para o processo de sedação foi encontrada na tese de doutorado do médico Eduardo Mekitarian Filho. “Atualmente o número de pedidos de tomografia é cada vez maior e crianças menores não cooperam para a realização do exame”, comenta o pesquisador. A tomografia é um exame que requer total imobilidade do paciente, “e como a quantidade de radiação emitida é muito alta, o equivalente a 150 raios-X em 2 segundos, o ideal é realizar o exame o mínimo de vezes possível”. Tradicionalmente, o sedativo utilizado nos hospitais é uma substância que já tinha sido abandonada havia muitos anos em muitos lugares fora do Brasil, o hidrato de cloral. “Trata-se de um sedativo que possui efeitos colaterais e um tempo prolongado de recuperação”, descreve. “Há estudos que mostram, inclusive, efeitos colaterais mais graves, incluindo aspectos cancerígenos”, ressalta. A substância ainda apresentava um incômodo maior, pois era introduzida via anal, por intermédio de uma sonda.
A alternativa proposta no estudo seria a utilização de uma substância chamada Midazolam, injetada pelo nariz da criança, em um processo semelhante ao dos descongestionantes nasais. “É uma forma simples e rápida de aplicação e que até o momento não havia sido estudada”. Segundo Mekitarian, o Midazolam é um sedativo muito utilizado em prontos socorros pediátricos, e possui um tempo de ação mais curto e efeitos colaterais previsíveis.Durante o período de estudos, 60 crianças menores de 3 anos foram submetidas ao método antes de realizar o exame de tomografia. “Durante o procedimento, eram anotados o horário em que a droga foi injetada, o tempo para a criança dormir, o tempo de realização da tomografia, e o tempo para acordar e ter condição de alta”. Enquanto isso, os sinais vitais, como frequência cardíaca e respiratória, oxigenação e pressão, eram monitorados. Na introdução do sedativo, era utilizada uma seringa pequena acoplada a um dispositivo, que permite que o líquido injetado saia na forma de pequenas gotas, semelhante a um spray. “Esse modo de introdução é importante pois, quando injetamos no nariz o líquido inteiro, a criança acaba engolindo e não o absorve. E para eficácia do método, é necessário que a droga seja absorvida só no nariz, por isso a transformação em pequenas gotas” explica Mekitarian. A quantidade padrão de líquido inserido era de 0,4 miligramas por quilo (mg/kg) de peso da criança, uma dose maior do que a utilizada quando se insere pela veia, uma vez que a criança engole parte do líquido.

Resultados positivos

Os dados coletados durante a realização dos exames mostraram que o sedativo Midazolam apresenta muitos pontos positivos. Com relação à eficácia da substância, houve uma sedação adequada em 93% dos casos. Os outros 7% foram sedados por outros métodos. Para Mekitarian, essa “é uma taxa de falha de sedação muito aceitável em comparação com outros sedativos”. No monitoramento da segurança, foi observada uma taxa de 5% de eventos adversos, considerados de risco mínimo. “Das crianças que apresentaram algum comportamento fora do esperado, 3 tiveram uma reação contrária, ou seja, ficaram mais agitados, 1 criança apresentou vômito e 1 criança demorou muito tempo para acordar, mais de 2 horas”. O pesquisador ressalta que, como nenhum evento mais grave, como problemas respiratórios ou cardíacos foram observados, é possível verificar que “é uma droga muito facilmente tolerável, eficaz e de poucos riscos à criança”. Como o dispositivo acoplado às seringas possui um preço elevado, cerca de R$36,00 cada, e é descartável, o procedimento de sedação ainda não foi padronizado. A expectativa é que esse quadro seja revertido, tornando o novo método mais popular nos atendimentos dos hospitais. “Mostramos que existe uma via segura, eficaz, barata, com efeitos colaterais mínimos de sedação e de fácil acesso. O próximo passo é tentar viabilizar o preço do dispositivo”, conclui Mekitarian.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Sobrevivência de ecossistemas de Bertioga exige atenção

Por Noêmia Lopes, Agência FAPESP 

As bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba, localizadas no interior do Parque Estadual da Restinga de Bertioga (município da região metropolitana da Baixada Santista, em São Paulo), guardam um importante patrimônio natural brasileiro, com grande geodiversidade e biodiversidade. Elas abrigam diversos tipos de formações geológicas e diferentes ecossistemas de planície costeira e vegetação de restinga. Se as intervenções provocadas pelo homem seguirem em curso na região, no entanto, o local poderá ser afetado de maneira irreversível. É o que conclui uma pesquisa coordenada por Celia Regina de Gouveia Souza, pesquisadora do Instituto Geológico da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo e professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Geografia Física da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), realizado com apoio da FAPESP. De modo geral, o risco ecológico da área é classificado como médio. “Isso quer dizer que novas ações humanas podem desequilibrar de vez os sistemas, principalmente se afetarem solos e águas, dois dos fatores que mais influenciam na classificação do risco”, afirmou Souza. Os diferentes níveis de atenção a que os sistemas naturais de Bertioga estão sujeitos foram calculados a partir da Avaliação de Risco Ecológico (ARE). Trata-se de uma ferramenta científica que estabelece a chance de um evento adverso comprometer a integridade de um sistema e dos serviços ambientais oferecidos ao homem – como matéria-prima para a produção de alimentos e remédios, madeira para diferentes usos, água para abastecimento e produção de energia, cobertura vegetal para controle natural de erosão, entre outros. Embora ainda seja possível encontrar ecossistemas íntegros em Bertioga (sem importantes intervenções antrópicas – feitas pelo homem) ou em estado muito avançado de regeneração, já existem trechos sob risco ecológico alto e muito alto, o topo da escala. Os pontos mais críticos estão nas bordas das florestas, onde a ocupação é mais intensa; na zona mais próxima do mar, pela qual passam rodovias, oleodutos e linhas de alta tensão; e em estradas vicinais que cruzam a planície costeira, interceptando diversos ecossistemas. “Essas estruturas afetam, por exemplo, a drenagem natural da planície costeira, de baixa declividade e com nível de lençol freático muito raso, promovendo a rápida acumulação e retenção de água nos períodos de chuva, o que desequilibra o funcionamento de alguns ambientes costeiros”, disse Souza. Segundo a pesquisadora, outra área sob ameaça é a do condomínio Morada da Praia, que, por cruzar toda a planície costeira, afetou vários ecossistemas e provocou mudanças permanentes. Entre elas, estão alterações no regime de fluxos de águas superficiais e subterrâneas, nas características dos solos superficiais e até mesmo no tipo de vegetação nativa que recobria algumas das áreas vizinhas ao condomínio. “Todas essas modificações ambientais requerem ações de recuperação e proteção”, disse Souza. Os estudos também apontam problemas na flora e na fauna das bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba, por conta de ações extrativistas ilegais. A ocorrência natural do palmito, por exemplo, já é rara na região.





Estudos multidisciplinares As pesquisas que Souza realiza nas planícies costeiras paulistas desde o início dos anos 1990 sempre apontaram para a existência de associações específicas entre os diferentes ambientes de sedimentação e determinados tipos de vegetação. Por exemplo, as florestas baixa e alta de restinga (a primeira com árvores de menor porte, próxima à praia, e a segunda com árvores maiores e distribuídas em direção ao interior da planície costeira) ocorrem somente sobre depósitos marinhos (antigas linhas de praia formadas durante os eventos de subida e descida do nível do mar). Já nas depressões centrais das planícies costeiras, onde se desenvolviam estuários e lagunas quando o nível do mar estava bem mais alto que o atual (há 5.600 anos), hoje ocorrem somente as florestas paludosas (permanentemente encharcadas) e suas variações. Em Bertioga, onde os estudos são desenvolvidos desde 2006, a pesquisadora e sua equipe obtiveram 17 grupos de associações, preliminarmente denominados de “sub-biomas” de planície costeira. Os principais “sub-biomas” foram estudados quanto aos seus aspectos geológicos, geomorfológicos, hídricos, pedológicos (solos), microclimáticos e botânicos. “No Brasil, é a primeira vez que se traça um panorama como esse. O mapa de ‘sub-biomas’ que desenhamos e os estudos realizados são fundamentais para entender o complexo comportamento dos ambientes costeiros, subsidiar projetos para a recuperação de áreas degradadas e repensar as formas de uso e ocupação das planícies costeiras”, afirmou Souza. Segundo a pesquisadora, alguns desses ‘sub-biomas’ já estão ameaçados de extinção. É o caso da floresta baixa de restinga sobre cordões litorâneos – quando o nível do mar desce, deixa para trás linhas de praia, denominadas cordões litorâneos – do período Holoceno (de 11.800 mil anos atrás ao presente). Por ter distribuição restrita ao longo das áreas mais próximas à praia, tal floresta vem sendo sistematicamente destruída pela urbanização em todos os estados costeiros brasileiros onde ocorre. “Além das intervenções antrópicas, há processos naturais que também colocam esse ‘sub-bioma’ em risco, como a atual elevação do nível do mar e o aumento do número e da magnitude das ressacas em decorrência das mudanças climáticas”, disse Souza. Três estudos de pós-graduação vinculados à FFLCH/USP viabilizaram monitoramentos que compuseram a ARE dos 17 “sub-biomas”: a dissertação de mestrado de Daniel Pereira dos Santos, a tese de doutorado de Felipe de Araújo Pinto Sobrinho – ambas com bolsas FAPESP – e a tese de doutorado de Jaime H. J. Badel-Mogollón, com bolsa do CNPq. Entre os principais fatores monitorados estão variações de chuva e de temperatura, balanço hídrico das bacias, nível do lençol freático, qualidade da água superficial e subterrânea, características da vegetação (fitossociologia e florística), alterações na paisagem natural por atividades humanas, parâmetros químicos dos solos e sua estabilidade estrutural – sendo que para este último o projeto contou com a participação de pesquisadores da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade de Antioquia, na Colômbia. A partir desses componentes ambientais foram obtidas a sensibilidade ecológica (importância ecológica dos componentes ambientais e sua vulnerabilidade) e a intensidade potencial de efeitos (impactos gerados pelas atividades antrópicas e adversidades naturais sobre os componentes ambientais), para completar a análise do risco ecológico. Aplicações práticas e acadêmicas O conjunto das informações levantadas oferece um panorama sobre zonas que devem receber atenção prioritária, tanto em relação à reparação de danos como em relação à preservação ambiental. Os dados já contribuíram para discussões que culminaram na criação do Parque Estadual da Restinga de Bertioga (PERB), em dezembro de 2009. Com mais de 9 mil hectares, o local engloba as bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba. Souza faz parte do Conselho Gestor do PERB e participará da elaboração do futuro Plano de Manejo do parque. Além disso, Souza conta que o projeto gerou dados valiosos para o planejamento ambiental de Bertioga; para o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro; para estudos sobre recuperação de áreas degradadas de vegetação de restinga, economia verde e impactos das mudanças climáticas em ecossistemas costeiros; além de estudos ecológicos, geológicos, hidrológicos, climatológicos e botânicos em outras planícies costeiras. “O conhecimento acumulado colabora com a tarefa de cientistas e gestores públicos de minimizar os impactos do planejamento inadequado ou ausente sem desconsiderar as necessidades humanas que envolvem o uso de recursos naturais”, disse Souza. Acesso ao texto completo.